Ação ocorreu após jornalistas filmarem e fotografarem abordagem de PMs; "você precisa estudar para ser policial e abordar", alegou um soldado
Policiais militares escalados para acompanhar um rolezinho no Shopping Interlagos, zona sul de São Paulo, adotaram a tática de abordagens, recolhimento de documentos e revista, com uso de arma de fogo, para cumprir a ordem expedida mais cedo pela Justiça paulista.A ação da PM ocorreu dentro e fora do shopping quando o rolezinho marcado pelo Facebook já havia sido adiado. A administração do shopping, entretanto, alegou que o pedido feito à Justiça pela associação de lojistas era contra uma tarde de autógrafos de um funkeiro --evento que, por volta das 16h30, já estava transferido de local.
Entre as abordagens feitas pelos PMs, estiveram as de jornalistas que tentavam registrar em fotos e filmagens a movimentação no shopping ou mesmo a dos próprios policiais sobre eventuais "suspeitos".
Documentos de repórteres foram recolhidos, e os profissionais, orientados a deixar o shopping para fins de “cadastramento”. Um cinegrafista foi revistado e afirmou que um dos dois policiais que o abordaram encostou uma arma em suas costas, durante a ação.
O recolhimento de documentos ocorreu por parte de um soldado do 22º Batalhão que não quis se identificar - pela lapela, apenas “soldado César” -, e após a reportagem fotografar a revista e o "encaminhamento para averiguação" do cinegrafista. Ele portava uma micro-câmera e, segundo os PMs, estava "observando, em atitude suspeita".
“(A apreensão de documentos) é para identificação de vocês, que vão ser cadastrados”, disse o soldado. Indagado sobre o significado do cadastramento, resumiu: “Se acontecer alguma coisa com vocês, eu sei quem são”, respondeu.
Sobre o pedido da reportagem para que ele próprio se identificasse, o PM refutou: “Eu sou policial, você, infelizmente, não é, precisa estudar para ser. Aí você pode abordar, isso (estudar) dá esse direito. O Estado me dá esse direito.”
Mochila, bermuda e chinelo são critérios de identificação
Outro policial que acompanhou de longe a ação dos colegas alegou que o grupo estava ali para “coibir o rolezinho e algazarra” e descreveu que, dentre os critérios de averiguação de frequentadores, estavam os trajes – sobretudo bermuda e chinelos –, os acessórios – tais como mochila, citou – e se os abordados andariam em grupos.
De tênis, calça jeans e camisa polo Lacoste, sozinho, o cinegrafista abordado depois de usar o celular e uma micro-câmera definiu: “Foi um absurdo. Eu estava dentro do shopping, e os PMs disseram que eu estava em atitude suspeita. Não tinha como ser isso, se eu nem olhei para eles, entendeu?”, alegou. “Eu tinha entrado para ver como estava a movimentação do tal rolezinho, vi que tinha viaturas e fiz imagens delas. Aí, quando voltei para entrar, tomei até um susto: o policial mandou eu por a mão na cabeça, com uma arma nas minhas costas, me levou até a base móvel e pegou todos os meus dados”, relatou.
Para o 2º tenente De Luca, um dos comandantes da “Operação ‘rolezinho’ no shopping Interlagos” - como estava manuscrito em ficha de posse do policial -, o objetivo do policiamento no local era “não proibir, mas o que a gente não quer é algazarra”. Questionado sobre PMs à paisana, De Luca disse apenas que havia desses policiais “de folga” pelo shopping.
Shopping nega pedido de abordagem e revista
Por meio da assessoria de imprensa, a administração shopping negou ter pedido à Justiça que se evitasse rolezinho no local ou mesmo a revista e o acesso de quaisquer cidadãos ao local. Segundo a assessoria, o pedido de liminar à Justiça requeria que fosse evitada, na realidade, uma “tarde de autógrafos do MC Brankim” a fim de que se prevenissem eventuais contratempos.
A assessoria também negou que a segurança interna, privada, tenha sido reforçada - apesar de vigilantes andarem em grupos em número de pelo menos 50 deles no local, revelou um desses agentes, sob anonimato, e alguns, com colete à prova de balas.
PM admite que não havia "rolezeiros"
Procurada, a assessoria de imprensa da PM alegou que "apenas cumpriu a determinação judicial" e que abordagens e revistas fazem parte dela, ainda que "apenas em acompanhamento de uma ação".
"O bairro ali tem a chamada 'Operação Saturação' que compreende, também, abordagens de veículos e transeuntes. Nesse caso, as equipes tinham o chamado de que havia um grupo de jovens que aparentavam ser de rolezinho, o que não se constatou. Se houve abusos em condutas de policiais, a PM não compactua com isso e os casos devem ser relatados à Corregedoria", informou a assessoria da corporação.
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