Anvisa garante teste 'lote a lote' de próteses mamárias importadas

(do Terra) Segundo maior mercado de
próteses mamárias do mundo, o
Brasil promete fiscalização mais
rígida do produto após fraudes de
uma empresa francesa e outra
holandesa resultarem na ruptura do
silicone implantado em pacientes de
71 países. A Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa) irá exigir
teste de qualidade lote a lote dos
implantes antes de liberar a venda
no País. Anunciada como proposta
em 17 de janeiro, a determinação foi
confirmada nesta quinta-feira ao
Terra.
Detalhes da medida estão em aberto
devido aos resultados de uma
consulta pública que se estendeu
até o último dia 16, mas está
definida a exigência de exame do
produto por laboratórios nacionais
indicados pela Anvisa e com o aval
do Instituto Nacional de Metrologia,
Qualidade e Tecnologia (Inmetro).
Segundo a agência, isso fará do
Brasil o primeiro país a adotar tal
rigor na fiscalização para "atestar as
informações apresentadas pelo
fabricante".
Em audiência pública no Senado no
dia 14 de fevereiro, o diretor-
presidente da Anvisa, Dirceu
Barbano, alertou que "os
fabricantes ou importadores que
cometerem irregularidades serão
responsabilizados". Outra ação
anunciada foi a inspeção de todas
as fábricas de fora do País antes da
concessão do registro. Ainda assim,
a própria Anvisa não está livre de ser
corresponsabilizada pelos danos
causados pelo uso irregular de gel
de silicone industrial nas próteses
Rofil (holandesa) e PIP (francesa). A
Associação de Vítimas da PIP, que
reúne centenas de mulheres
prejudicadas pela fraude, busca
acordo com a Anvisa para evitar
uma ação judicial coletiva.
Embora o Ministério da Saúde já
tenha determinado a cobertura -
tanto pelo Sistema Único de Saúde
(SUS) quanto por planos
particulares - dos gastos de exames
e cirurgias das vítimas cujos
implantes tenham sofrido ruptura, a
associação exige que as brasileiras
portadoras do produto das duas
marcas (pelo menos 12 mil) recebam
gratuitamente novas próteses. Até o
momento, é oferecido apenas
acompanhamento médico a quem
não tenha percebido rompimento
do silicone, ou seja, a quem não
necessita de cirurgia de caráter
reparador. A associação argumenta
que a autorização da venda dos
produtos no País faz com que o
governo seja responsável pelos
danos.
Outro front é o dos planos
particulares de saúde, que ameaçam
recorrer à Justiça para que o
governo arque com os custos das
trocas de implantes. Segundo a
Associação Brasileira de Medicina de
Grupo (Abramge), a Anvisa "tem
responsabilidade civil objetiva não
só pela sua falta de cuidado, técnica
e atenção ao autorizar o registro de
tais produtos no Brasil, como por
sua omissão na não fiscalização dos
produtos registrados". Após a
audiência pública na Comissão de
Assuntos Sociais do Senado, o
presidente da agremiação, Arlindo
de Almeida, afirmou que o
pagamento seria aceito
"pacificamente" pelos planos de
saúde porque "o mais importante é
o paciente", mas que muitas
operadoras devem tentar reverter o
ônus ao governo.
A Anvisa tem preferido não se
manifestar sobre o assunto. A
fraude das empresas, que fizeram
uma substituição silenciosa de
materiais nos produtos já
registrados, passou sem ser notada
nos 71 países consumidores até ser
descoberta, em dezembro passado,
por autoridades sanitárias da
França. A Comissão Europeia estuda
um sistema comum entre os países-
membro para avaliar os riscos dos
implantes.
Sociedades médicas afastam relação
com câncer
O problema das próteses PIP só
veio à tona com a descoberta de um
linfoma anaplásico (manifestação
rara e agressiva da doença) em uma
francesa. Concomitantemente, foi
observado que o índice de ruptura
dos implantes PIP era cerca de sete
vezes superior ao de outras marcas.
A associação aparentemente óbvia
entre os dois dados é dissipada pela
Sociedade Brasileira de Mastologia,
segundo a qual a relação de causa e
efeito entre o silicone e o linfoma ou
mesmo outros tipos de câncer é
"difícil de ser comprovada, até
porque são raros os casos na
literatura".
"Existem suspeitas de que alguns
produtos não aprovados para uso
em seres humanos possam estar na
composição dessas próteses. Esses
produtos, utilizados na produção
industrial de borracha e de óleo,
não foram testados, e é possível que
possam estar, de alguma forma,
associados aos problemas relatados
com as próteses PIP. O silicone, seja
o industrial ou o de uso médico, é
um elastômero, e a sua viscosidade
depende da sua massa molecular.
As próteses atuais são de gel mais
coesivo, o que permite que
mantenham sua forma. São,
portanto, levemente mais rígidas.
Não existe relação entre o silicone e
doenças neurológicas, do colágeno,
ou a associação com câncer",
esclarece a sociedade, lembrando
que existe uma série de outros
produtos da área médica em cuja
composição está o silicone.
Entre as complicações decorrentes
de um eventual rompimento da
prótese mamária estariam o
vazamento para linfonodos axilares
ou fígado e a dificultação do
diagnóstico de câncer (ou,
inversamente, a confusão do
vazamento com um tumor). Ainda
assim, a sociedade dos
mastologistas salienta que "exames
de imagem conseguem separar
muito bem o que é silicone do que
pode ser tumor ou uma lesão
suspeita, sobretudo a ressonância
magnética da mama".
Segundo a entidade, não existe
consenso médico para um momento
adequado para a troca dos
implantes, e uma ruptura não
precisa ser tratada como urgência.
"Na prática, elas (as próteses) são
trocadas no caso de resultados
estéticos insatisfatórios, contratura
capsular ou de rupturas. E a ruptura
não é uma cirurgia de urgência, pois
as consequências do silicone
extravasado pioram ao longo do
tempo, mas ao longo de meses, não
horas, dias ou semanas." De acordo
com a entidade, as próteses atuais
apresentam risco de ruptura de
aproximadamente 15% em 10 anos.
Já a Sociedade Brasileira de Cirurgia
Plástica lembrou que as próprias
autoridades sanitárias francesas, em
testes que culminaram na
recomendação de remover os
implantes da PIP, descartaram riscos
de toxicidade e câncer. A
comercialização das próteses PIP foi
suspensa em abril de 2010 pela
Anvisa e, até aquela data, o País
havia importado 34.631 unidades,
das quais 24.534 foram
comercializadas e 10.097 recolhidas.
"Até o presente momento, nenhuma
notificação de incidente foi
oficialmente registrada por órgãos
de Vigilância Sanitária, Fiscalização
Médica ou pela Sociedade Brasileira
de Cirurgia Plástica", afirmou a
entidade, acrescentando que "não
existem razões que justifiquem a
remoção e substituição preventivas
dessas próteses, a não ser que uma
ruptura efetiva seja identificada. Não
obstante, recomenda-se que as
mulheres portadoras das próteses
PIP procedam avaliação médica a
fim de definirem junto a estes
profissionais a melhor conduta a ser
adotada".
Presente na audiência do último dia
14 no Senado, o presidente da
instituição, José Horácio Aboudib,
apresentou o cadastro nacional de
próteses mamárias, que já começou
a ser implantado.

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